A música é uma das expressões mais importantes da cultura brasileira. Sua identidade se deu essencialmente a partir da fusão de elementos europeus e africanos trazidos por colonizadores portugueses e pelos escravos, aliados também à herança indígena em alguns gêneros folclóricos regionais.
Até o século 19, a principal porta de entrada para a maior parte das influências, tanto eruditas como populares, foi Portugal, que introduziu a maioria do instrumental, o sistema harmônico, a literatura musical e boa parcela das formas musicais cultivadas no país ao longo dos séculos, ainda que diversos destes elementos não fossem de origem portuguesa, mas genericamente europeia.
A cultura africana contribuiu fortemente com a diversidade rítmica, danças e instrumentos, que tiveram um papel maior no desenvolvimento da música popular e folclórica, florescendo especialmente a partir do século 20.
A partir de meados do século 18, se intensificou o intercâmbio cultural com outros países além da metrópole portuguesa, provocando uma maior diversificação, como foi o caso da introdução das óperas italiana e francesa; das danças como a zarzuela, o bolero e a habanera de origem espanhola; as valsas e polcas germânicas e os ritmos africanos.
A partir do final do século 18, a música popular começou a adquirir uma sonoridade caracteristicamente brasileira, que se consolidou na passagem do século 19 para o século 20, principalmente através da grande difusão do lundu, do choro e do samba.
No século 20 houve um extraordinário florescimento tanto no campo erudito como no popular, influenciado por uma rápida internacionalização da cultura e pelo desenvolvimento de um contexto interno mais rico e propício ao cultivo das artes. Foi o período em que a música nacional ganhou também em autonomia e identidade própria, embora nunca tenha cessado a entrada de novas referências estrangeiras. A produção de Villa Lobos foi o primeiro grande marco do brasilianismo musical erudito, mais tarde desenvolvido por muitos outros compositores.
No mesmo século, a música popular ganhou o respeito das elites e consolidou gêneros que se tornaram marcas registradas do Brasil, principalmente o Samba, a Bossa Nova, o Tropicalismo e a Jovem Guarda, ao mesmo tempo em que o Rock e o Jazz norte-americanos foram recebidos no país com grande sucesso, adquirem feições próprias e conquistarem legiões de fãs. Gêneros regionais de origem folclórica como a música Sertaneja, o Baião, o Forró e vários outros ritmos populares como o Funk Carioca também ganharam força e passaram a ser ouvidos em todo o território nacional, apresentando expansão cada vez maior no século 21.
O crescimento exponencial em quantidade e qualidade da atividade musical brasileira, que incluiu o surgimento de inúmeras escolas e academias superiores, gravadoras, fábricas de instrumentos, orquestras sinfônicas e conjuntos diversificados, emissoras de rádio e televisão, festivais e outras vias de produção e divulgação, tornou a música brasileira conhecida e apreciada internacionalmente, tornando-a objeto de estudo especializado e de admiração no Brasil e no exterior.
MAIS DO QUE UM ESTILO MUSICAL, UM MODO DE VIDA
A Bossa Nova foi um dos movimentos musicais, principalmente de compositores e poetas, mais característicos e populares do século 20, que foi escolhido por milhares de músicos que se apresentaram e gravaram belas canções, ao longo dos últimos 60 anos
Alguns dizem que ela não é apenas um gênero, mas uma performance no palco. No entanto, a Bossa Nova é uma música simples, sofisticada, criativa e cujas letras, de tão ricas, são uma ótima razão para se aprender o Português.
O período de ouro da Bossa Nova, chamado de ‘Os Anos Dourados’ no Brasil, durou de 1958 a 1964, quando foi ultrapassado pelo movimento Tropicália e pelos tanques do exército – e também por improvisadores do jazz! Infelizmente, apesar de ter se tornado uma influência e uma referência em todo o mundo, em seu próprio país de origem, a Bossa Nova foi superada por outros estilos musicais.
COMO TUDO COMEÇOU
Na década de 1950, o Brasil entrou em uma fase de industrialização, acompanhado por uma onda de renovação em arquitetura, design, publicidade, cinema e música. A cidade de Brasília começou a ser construída bem no meio do país.
Naquela época, algo começava a acontecer em bairros do Rio de Janeiro, como Copacabana, Ipanema e Leblon. Estudantes universitários, poetas, pianistas, e músicos de várias origens realizavam jam sessions em apartamentos. Porém, eles tocavam suavemente, de modo a não incomodar os vizinhos, e reunindo várias influências musicais. Aquela juventude estava começando a criar algo diferente. As músicas tinham harmonias complexas e melodias, juntamente com um estilo vocal suave e um acompanhamento rítmico bem minimalista.
Então, um grupo de talentos se juntou: Antônio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Candinho, João Gilberto, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, Baden Powell, Luizinho Eça, os irmãos Castro Neves, Newton Mendonça, Chico Feitosa, Lula Freire, Durval Ferreira, Sylvia Telles, Normando Santos e Luís Carlos Vinhas. Estes músicos, compositores e artistas, cansados dos estilos vocais operísticos comuns no rádio, e dos temas dramáticos e tão desamparados de samba e boleros, foram à procura de algo novo que pudesse refletir as suas vidas e o novo espírito no país. Ao mesmo tempo, artistas como João Donato e Billy Blanco já estavam trazendo a influência de Frank Sinatra e Chet Baker às suas composições com influências de samba.
As letras das músicas de Bossa Nova falam da vida cotidiana de seus protagonistas, evocando um modernismo despreocupado e um estilo de vida tipicamente urbano do Rio de Janeiro – o mar, o sol, as meninas… E três elementos se destacam: o vocal e o violão de João Gilberto, as técnicas de composição de Antônio Carlos “Tom” Jobim e as letras de Vinicius de Moraes.
Tom Jobim trouxe a base da música clássica, com influências da Europa (Debussy, Ravel), de arranjadores da música americana (Nelson Riddle) e de artistas brasileiros, como Pixinguinha, Custódio Mesquita e Radamés Gnatalli. Durante o dia, ele trabalhava em uma gravadora, como arranjador musical; e, à noite, podia ser encontrado tocando em bares da Zona Sul do Rio.
Depois de deixar a Bahia em 1950, João Gilberto passou muitos anos à procura de trabalho e de desenvolver o seu estilo único de tocar violão. Uma história diz que ele passou oito meses no banheiro de sua irmã – por causa da acústica – aperfeiçoando o seu estilo de tocar e cantar. O seu impacto sobre os músicos do Rio foi imediato.
Vinicius de Moraes já era um renomado poeta, dramaturgo e jornalista, bem como funcionário dos serviços consulares brasileiros. Ele se reuniu com Jobim em 1956 e ambos iniciaram uma parceria de músicas de sucesso.
Um personagem da Bossa Nova brasileira que também tem importância é André Midani, executivo que dirigia a divisão brasileira da gravadora multinacional Odeon, e foi um dos primeiros a contratar a maioria dos principais artistas daquela época. Midani trabalhou em vários selos independentes – como RGE, Elenco e Forma – bem como foi o responsável pelo lançamento de muitos álbuns de Bossa Nova. Ele também ajudou a criar impressionantes designs gráficos para os discos e, a partir de então, encartes e créditos dos álbuns tornaram-se quase tão importantes quanto as músicas.
Embora o álbum de Elizeth Cardoso Canção do Amor Demais, de 1958, tenha contado com músicas de Jobim e João Gilberto que, inclusive, participou das gravações, o álbum Chega de Saudade, de 1959, de João Gilberto – que, assim como o título de Elizeth Cardoso, também apresenta canções de Tom e Vinicius, além de músicas de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli – é, geralmente, considerado o primeiro álbum de Bossa Nova. O impacto no Brasil foi enorme. Devido ao sucesso da cena musical da época, qualquer coisa moderna ou ligeiramente diferente naqueles tempos, logo era denominada como Bossa Nova. Tanto que havia Bossa Nova em marcas de frigoríficos, de óculos, de sapatos.
Três eventos levaram o movimento da Bossa Nova ao reconhecimento exponencialmente internacional. O primeiro foi a produção cinematográfica francesa, Orfeu do Carnaval (Orphée Noir, no original francês), dirigido por Marcel Camus. Filmado no Rio, em 1959, com uma trilha sonora escrita por Jobim, Vinicius e o guitarrista Luiz Bonfá, ganhou a Palma de Ouro em Cannes, seguido pelo Oscar e pelo prêmio da British Academy of Film and Television Arts (BAFTA) de melhor filme estrangeiro.
Em segundo lugar, os artistas americanos também se encantaram pelo som. Como parte da política da “boa vizinhança” do governo dos EUA, artistas como Dizzy Gillespie, Charlie Byrd, Herbie Mann e Coleman Hawkins passaram a tocar Bossa Nova no país, e divulgar aquele novo som por lá. Várias composições de Bossa Nova tiveram suas letras suprimidas e suas melodias sampleadas, com trechos usados para improvisações. E, logo, músicos americanos começaram a escrever novas composições inspiradas naquele estilo.
O primeiro álbum de Bossa Nova lançado nos EUA, em 1962, foi Jazz Samba (o conceito ainda não era conhecido por lá, por isso esse nome), com renomados artistas de jazz, como Stan Getz e Charlie Byrd. O álbum continha ambas as composições, originais e versões instrumentais de canções de Bossa Nova. Foi um enorme sucesso, tendo dado a Getz um Grammy por este disco. A versão de 2 minutos de Desafinado passou dez semanas na lista Top 40 da Billboard.
O terceiro evento foi o famoso concerto no Carnegie Hall, em novembro de 1962. Patrocinado pelo Itamaraty, este foi um evento estilo all-star, com as participações de Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra, Sérgio Mendes, Roberto Menescal e outros. O sucesso deste show permitiu que muitos artistas brasileiros pudessem estabelecer suas carreiras nos EUA.
Em março de 1964, a famosa Garota de Ipanema foi lançada no álbum Getz/Gilberto. Ela ficou nas paradas pop da Billboard por quase dois anos, além de receber quatro prêmios Grammy e de ter espalhado o som da Bossa Nova por todo o mundo. Até hoje, é considerada a segunda música mais tocada de todos os tempos, atrás apenas de Yesterday, dos Beatles. Porém, também em março de 1964, o golpe militar estava ocorrendo no Brasil. Ele sinalizou o fim de uma era. O fim da Bossa Nova.
De origens seculares, míticas e religiosas, esta música representa, move e influencia todo o País
O Samba é o rio que flui através de música brasileira. É a riqueza da cultura negra que veio com os escravos da África. Ao longo do caminho, ele recebeu outras influências, mas ainda é uma das maiores manifestações da expressão negra no Brasil. Do samba-canção ao samba carnavalesco – ou samba-enredo –, abraçando a Bossa Nova, a música eletrônica, o hip hop e o funk carioca ao longo do caminho, o Samba é rico em ritmo, melodia, harmonia, dança e em suas letras. Também é extremamente diversificado em função de seu regionalismo e pela mistura de raças do Brasil. São ritmos que absorvem uma miríade de culturas que abrangem os últimos 500 anos de história, e que surgiram a partir da interação entre índios, europeus e africanos.
A manifestação mais pública do samba é o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Em dois dias, quatorze Escolas desfilam pelo Sambódromo carioca. Outras cidades sediam eventos semelhantes durante o Carnaval, mas o evento do Rio é único e imponente. São quase onze meses de trabalho na produção do desfile. Cada Escola de Samba escolhe o tema de seu samba-enredo, para contar esta história na passarela durante 80 minutos. Geralmente, está relacionado a algum aspecto da história e da cultura brasileira. Cantado por toda a Escola e acompanhado pela Bateria – com o som de centenas de diferentes tambores, tamborins, surdos, agogôs, cuícas, reco-recos, entre outros instrumentos que perfazem uma orquestra de centenas de ritmistas, o objetivo da escola é impressionar o público e convencer o júri, que decidirá o vencedor baseado na canção, nos carros alegóricos, nas passistas, comissão de frente, na ala das baianas, nos figurinos, etc.
Raízes mais profundas do samba se encontram na cidade de Salvador, capital da Bahia, que foi a capital do Brasil nos tempos coloniais e primeiro assentamento urbano do país. Em meados dos anos 1800, a província do Rio de Janeiro tinha uma população de mais de 300 mil escravos. Após a abolição da escravatura, em 1888, milhares de ex-escravos se mudaram da Bahia para o Rio em busca de emprego e ocuparam os bairros e encostas da cidade. As comunidades construídas sobre estas encostas ficaram conhecidas como favelas, quando os soldados que lutaram na Guerra de Canudos, na Bahia (1897), se estabeleceram na região. Favela era o nome de uma planta espinhosa que crescia no interior árido da Bahia. Foi neste cenário que a mistura de diferentes influências musicais como a marcha, lundu, polca, habanera, maxixe e o tango produziu, pela primeira vez, um tipo de música que sugeriu o ritmo do samba.
Os melhores talentos musicais da época se reuniam na expectativa de tocar nas festas e nas sessões de capoeira e “batucada”. Acompanhados por instrumentos de percussão, tambores africanos ocidentais misturados com guitarras e cavaquinhos portugueses, os músicos criavam de improviso letras e versos, que eram repetidos pelos outros participantes.
A primeira Escola de Samba, chamada Deixa Falar, foi criada em 1928. Chamava-se escola por uma analogia com uma escola de formação, que ficava em frente. Diziam, “nós também ensinamos, mas aqui aprendemos o samba.” As Escolas de Samba começaram a crescer com a criação de duas outras que surgiram após a Deixa Falar: Mangueira e Portela.
Na década de 1930, a população branca (e os compositores brancos) começou a expressar algum interesse na música que estava vindo dos morros. Em 1930, o Samba embarcou naquela que foi conhecida como a Era de Ouro. Essa Era foi determinada pela mudança nas técnicas de gravação – de mecânica para elétrica –, dando ao intervalo, ao timbre e à expressão das vozes gravadas muito mais cor e força. O aparecimento e a rápida expansão do rádio foram outros motivos do crescimento desse interesse. Em 1939, começou uma nova fase musical, a do Samba-exaltação. Esta fase foi inaugurada com uma canção que se tornou a mais ouvida e executada música brasileira no exterior, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, que se tornou um símbolo musical do Brasil em todo o mundo, por mais de 25 anos ininterruptos, até a chegada de Garota de Ipanema, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, nos anos 1960. Já o Samba de Gafieira ganhou destaque na década de 1940 e 1950, influenciado pelas orquestras de rádio dos Estados Unidos.
Na década de 1960, compositores de Bossa Nova e de MPB fizeram parcerias com a Velha Guarda, redescobrindo cantores e compositores veteranos, como Cartola e Nelson Cavaquinho, que acabaram voltando às paradas de sucesso. Eles foram seguidos por uma nova geração: Paulinho da Viola, Elton Medeiros e, logo depois, Martinho da Vila, junto com Clementina de Jesus, que fez sua estreia em 1964, quando já tinha 63 anos de idade.
Na década de 1970, novos nomes surgiram: João Nogueira, Paulo César Pinheiro, Candeia, Nelson Sargento e Monarco compuseram músicas para novos cantores de samba, incluindo Beth Carvalho, Alcione, Roberto Ribeiro e Clara Nunes.
Os anos 80 e 90 viram o enorme sucesso de outro tipo de Samba, o Pagode. Grupos como Fundo de Quintal e Raça Negra venderam centenas de milhares de álbuns, que inspiraram um retorno ao Samba de raiz e também influenciaram outros estilos musicais.